sábado, 20 de junho de 2015

De algumas Fontes Gerais de Erros e de Injustiças na Legislação

Enviado por: Elisa Freese Lima

No contexto da lei que propõe a redução da Maioridade Penal, o texto do capítulo XXXVIII da obra "Dos Delitos e das Penas", de Cesare Beccaria, encaixa- se perfeitamente, na medida em que o autor discorre sobre certas leis que são geradas sob um falsa ideia de utilidade, baseadas mais no sentimento de medo que produzem certos fatos particulares na sociedade do que em dados científicos e reflexões, e portanto no verdadeiro objetivo de prevenir delitos.

De algumas fontes gerais de erros e de injustiças na legislação e, em primeiro lugar, das falsas ideias de utilidade:

As falsas ideias que os legisladores fizeram da utilidade são uma das fontes mais fecundas de erros e injustiças.

É ter falsas ideias de utilidade ocupar-se mais com inconvenientes particulares do que com inconvenientes gerais; querer comprimir os sentimentos naturais em lugar de procurar excitálos; impor silêncio à razão e dizer ao pensamento: “Sê escravo”.

É ter ainda falsas ideias de utilidade sacrificar mil vantagens reais ao temor de uma desvantagem imaginária ou pouco importante.

Não teria certamente ideias justas quem desejasse tirar aos homens o fogo e a água, porque esses dois elementos causam incêndios e inundações, e quem só soubesse impedir o mal pela destruição.

Podem considerar-se igualmente como contrárias ao fim de utilidade as leis que proíbem o porte de armas, pois só desarmam o cidadão pacífico, ao passo que deixam o ferro nas mãos do celerado, bastante acostumado a violar as convenções mais sagradas para respeitar as que são apenas arbitrárias.

Além disso, essas convenções são pouco importantes; há pouco perigo em infringi-las e, por outro lado, se as leis que desarmam fossem executadas com rigor, destruiriam a liberdade pessoal, tão preciosa ao homem tão respeitável aos olhos do legislador esclarecido; submeteriam a inocência a todas as investigações, a todos os vexames arbitrários que só devem ser reservados aos criminosos.

Tais leis só servem para multiplicar os assassínios, entregam o cidadão sem defesa aos golpes do celerado, que fere com mais audácia um homem desarmado; favorecem o bandido que ataca, em detrimento do homem honesto que é atacado.

Essas leis são simplesmente o ruído das impressões tumultuosas que produzem certos fatos particulares; não podem ser o resultado de combinações sábias que pesam numa mesma balança os males e os bens; não é para prevenir os delitos, mas pelo vil sentimento do medo, que se fazem tais leis.

É por uma falsa ideia de utilidade que se procura submeter uma multidão de seres sensíveis à regularidade simétrica que pode receber uma matéria bruta e inanimada; que se negligenciam os motivos presentes, únicos capazes de impressionar o espírito humano de maneira forte e durável, para empregar motivos remotos, cuja impressão é fraca e passageira, a menos que uma grande força de imaginação, que só se se encontra num pequeno número de homens, supra o afastamento do objeto, mantendo-o sob relações que o aumentam e o aproximam.

Enfim, também podem chamar-se falsas ideias de utilidade as que separam o bem geral dos interesses particulares, sacrificando as coisas às palavras.

Há, entre o estado de sociedade e o estado de natureza, a diferença de que o homem selvagem só faz mal a outrem quando nisso descobre alguma vantagem para si, ao passo que o homem social é às vezes levado, por leis viciosas, a prejudicar sem nenhum proveito.

REFERÊNCIA
 
BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. 1764. Ridendo Castigat Mores. 2014.

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