Escrito e enviado por: Carlos Armando Nogueira Dias
O sistema de codificação do Direito Civil brasileiro, como não poderia deixar de ser, seguiu os modelos de codificação já elaborados no Continente europeu. Mais especificamente o código francês, Code Napoléon; e o código alemão BGB. A estrutura da codificação brasileira segue o modelo alemão, compondo-se de uma Parte Geral e uma Parte Especial. Quanto ao aspecto material, a influência é do Code Napoléon e das fontes do direito comum alemão anterior à codificação.
No entanto, há que se ressaltar que a codificação francesa tem um viés revolucionário, pois atendeu aos interesses da classe em ascensão e dominante, a burguesia francesa. Basicamente, o Code Napoléon destinava-se a garantir a liberdade para que as transações comerciais, cada vez mais crescentes na Europa, ocorressem com a menor interferência estatal possível. Tinha como diretrizes a liberdade individual e as prestações negativas do Estado idealizados com a Revolução Francesa e ponto essencial do liberalismo burguês.
Ao contrário da codificação francesa, a codificação brasileira não teve um viés revolucionário. Enquanto que o processo francês resultou de um movimento revolucionário liderado pela burguesia, modificando a classe dominante, e incentivando o comércio e, posteriormente, o desenvolvimento da indústria; no Brasil, a elite dominante continuava sendo a velha oligarquia rural.
A Coroa Portuguesa adotou a administração centralizada no Brasil colonial. Assim sendo, a ordem jurídica vigente era unificada; ao contrário do território germânico, onde conviviam o ordenamento central e o ordenamento dos territórios aplicados simultaneamente. Assim, no Brasil não foi necessário o rompimento com a ordem jurídica que representou o projeto do BGB. Como podemos perceber, tanto na França, quanto na Alemanha, o processo de codificação foi revolucionário.
No Brasil, seguiu-se o modelo português de criação e aplicação do Direito: o centralismo jurídico e o peso da doutrina na interpretação e flexibilização da lei escrita, também conhecida como bartolismo.
O centralismo jurídico
A herança portuguesa não é por acaso, pois entre a vigência do Código brasileiro, em 1916; e a independência política, em 1822, transcorreram noventa e quatro anos, ou seja, quase um século. Durante esse período, continuaram em vigor as ordenações, leis, regimentos, alvarás, decretos e resoluções promulgadas pelos reis de Portugal até 25 de abril de 1821. As Ordenações Filipinas, de 1603, é a primeira entre as fontes do Direito. As ordenações consistiam na reunião do direito, de origem legislativa, vigente e emanado pelo poder real. A procedência estatal é o traço marcante do nosso direito; e o que lhe confere o centralismo jurídico que lhe é peculiar e uma unidade de fontes de produção jurídica.
Em Portugal, da mesma forma que as constituições emanadas pelo imperador Justiniano no Império Romano Oriental, as chamadas leges, possuíam força de lei superiores à iura (costumes); o monarca lusitano assumiu o exercício da função legislativa. O centralismo jurídico português foi transferido influenciou a formação do direito brasileiro. O direito, emanado pelo real, constituía um ato de autoridade e não havia margem para a afirmação de direitos particulares ou “regionais”. Esse aspecto influenciou, posteriormente, o federalismo brasileiro e até hoje reina na Constituição Federal de 1988.
O Bartolismo
“Ninguém é bom jurista, se não é bartolista” Era o comentário que corria a “bocas pequenas” no Reino de Portugal. Era necessário argumentar ao modo de Bartolo, esse era o entendimento. A expressão bartolista, na visão de Clóvis couto da Silva, indica o fato dos juízes poderem utilizarem-se da doutrina de diversos autores, nacionais e internacionais, para embasarem suas sentenças. Tornando a doutrina uma importante fonte do Direito brasileiro. Tal como Bartolo fazia, quando retomava o pensamento do Imperador Justiniano para embasar seus pareceres jurídicos.
Esse papel da doutrina como fonte do Direito, principalmente o direito privado brasileiro, foi não só importante, como também necessário. Isso porque as Ordenações Filipinas eram antiquadas e defeituosas na legislação do direito privado, deixando lacunas nesse ramo do direito mais ligado à realidade social. A linguagem utilizada no texto não possuía clareza, havia frequentes contradições e os preceitos legislativos eram prolixos.
Assim sendo, ao melhor estilo de Bartolo, os juristas brasileiros recorriam aos preceitos do direito comum, ou seja, o direito romano; às glosas de Acúrsio; e às opiniões de Bartolo para solucionarem os casos concretos.
As características mais marcantes do método de Bartolo eram: compatibilizar os preceitos do direito comum com os costumes das localidades e por legitimar o costume na vontade do soberano. Portugal não recepcionava na íntegra as ideias das grandes escolas estrangeiras da ciência do Direito. Daí a grande importância do método bartolista capaz de preencher lacunas do sistema jurídico.
A metodologia do preenchimento de lacunas, expressa nas Ordenações Afonsinas, obedecia à seguinte ordem: primeiro deveria recorrer-se ao direito romano e ao canônico; caso fossem conflitantes, prevalecia o direto romano, desde de que a aplicação de suas disposições não implicasse pecado; caso a pendência não restasse decidida, deveria recorrer-se às glosas de Acúrcio e às opiniões de Bartolo; por último, caberia ao rei decidir. A palavra do rei em última instância, de caráter geral e vinculativo para casos futuros, evidencia o centralismo jurídico do direito luso-brasileiro.
A importância de Bartolo, para o direito português, era tamanha que nos primórdios constituía-se espécie de lei subsidiária, de aplicação subsidiária para o preenchimento de lacunas e antinomias do ordenamento jurídico. No entanto, com o passar do tempo, os comentários de Bartolo passaram a ser aplicados diretamente pelos juízes portugueses, desprezando até mesmo, por incrível que pareça, as leis portuguesas. O reinado de Bartolo durou até a reforma pombalina que estabelece novas regras para a interpretação e o preenchimento de lacunas, com forte inspiração no justaturalismo e no individualismo crítico.
Ao romper com o método bartolista, Pombal possibilitou que se mantivesse o modo de compreender a aplicar o direito. Mais de um século depois, não poderia o direito romano ser aplicado às relações jurídicas que se modificaram enormemente. Era preciso conhecer o direito romano apenas como história do direito. As relações jurídicas deveriam ser reguladas de acordo com as leis e os costumes da época em que ocorrem. Assim, Pombal determinou que o preenchimento de lacunas, não mais deveria considerar o direito romano justinianeu e os antigos jurisconsultos, mas sim, o uso moderno do direito romano entre as nações cultas da Europa. Com isso, a essência do método de Bartolo pode ser preservada, ou seja, a reconciliação entre o universal e o regional.
Ao remeter a apreciação do caso concreto à opinião dos modernos jurisconsultos já constantes de diversas obras jurídicas, a reforma pombalina conferiu à doutrina valor normativo, representando uma mudança no
“conteúdo de certas regras e do crivo central de sua interpretação, condicionada à adequação com a reta razão e, mais tarde, com o individualismo, depois de 1820, com a vitória da primeira revolta liberal. O modo de construção do raciocínio jurídico, todavia, manteve-se muito próximo à tradição”.
Como podemos constatar, o processo de codificação do direito brasileiro foi fortemente influenciado pelo bartolismo, a importância da interpretação doutrinária no processo judicial muito usada pelo direito português e centralismo jurídico.
REFERÊNCIA
MARTINS-COSTA, Judith. A boa fé no direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
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