segunda-feira, 29 de junho de 2015

O Direito Romano dos Bárbaros (Lex Romana Barbarorum)

Enviado por: Thamirys da Silva Kochemborger

Autor do texto: José Reinaldo de Lima Lopes
Ao lado de uma “legislação” como esta, os reinos bárbaros também tentaram conservar alguma coisa do direito romano. Havendo populações romanizadas vivendo nos seus territórios, a edição de um “direito romano barbarizado ou vulgar” desempenhava um papel politico importante, pois podia significar uma garantia de legitimidade politica e de aceitação. Quando Clóvis, rei dos francos, converte em 496 ao catolicismo, dá um importante golpe (ou faz uma aposta) em relação aos visigodos, que se haviam cristianizado dentro do arianismo. Dizem alguns historiadores que o rei visigodo Alarico mandara editar uma coleção de leis baseadas no direito romano 506 para tentar ainda garantir a aliança dos galo-romanos contra o rei dos francos. É que Clóvis e os visigodos disputavam a hegemonia sobre o centro-sul da atual França, a Gália dos romanos. A conversão de um e a legislação do outro eram feitas para conquistar simpatias entre os galo-romanos. Militarmente, a vitória coube aos francos, de modo que os visigodos tiveram que reinar mais ao sudoeste, isto é, na Península Ibérica.

Dentro deste espírito de conservação de algo do direito romano é que surgiram algumas coleções, como a Lex Burgundiorum (Lex Gundobanda). Foi a lei “romana” dos burgúndios, mostrando outra sociedade. Ela é anterior a 500 d.C.  A coleção mais famosa , porém, foi a de Alarico, visigodo, mencionada antes e editada em 506, conhecida como Lex Romana Visigothorum. Em 507, a despeito da tentativa de conquistar a simpatia dos galo-romanos com a lei, os visigodos, já então romanizados, foram expulsos da Gália pelos francos e se assentaram na Hispania    (que dominarão integralmente apenas em 585). Sua lei romana é de enorme importância na historia por dois motivos: em primeiro lugar porque valeu por muito tempo, mesmo sendo reformada algumas vezes; em segundo lugar porque foi inspirada diretamente no Codex Theodosianus (de 438), mantendo por isso uma relação bastante direta com a tradição romana (ainda que tardo-romana).

Já antes, em 476, os visigodos haviam editado o Código de Eurico, elaborado por juristas de formação romana. Foi, porém, a Lex Romana Visigothorum., também chamada de Breviário de Alarico, que teve melhor fortuna. O código foi revisto entre 572 e 586 (Codex Revisus ou Código de Leovigildo). Continha as constituições já incluídas no Código Teodosiano, as constituiçõaes pós-teodosianas até 463, bem como o Liber Gaii  (uma adaptação das Institutas de Gaio), as sentenças de Paulo, respostas de papiniano e constituições anteriormente constantes dos códigos Hermogeniano e Gregoriano  (CAETANO, 1992:102). Inicialmente era aplicável aos hispano-romanos católicos, não aos visigodos arianos. A conversão dos visigodos ao catolicismo deu-se em 587 (conversão de rei Recaredo) e 589 (conversão “nacional” no III Concílio de Toledo), contribuindo para tornar a lei dos Visigodos de aplicação geral. 

Foi totalmente reformado em 654, como Liber Iudiciorum  (também chamado Liber Iudicium,Forum Iudicium ou Fuero Juzgo), aprovado no VIII Concílio de Toledo, no reinado de Rescenvindo. Esta coleção será revogada apenas em 1250 por Afonso x, o sábio, por força da edição das famosas sete partidas. É com Rescenvindo que o esforço de integração entre hispano-romanos e visigodos aumenta : o Liber Iudiciorum terá o propósito de valer territorialmente (para todos os habitantes do reino) e não mais pessoalmente (para alguns grupos). Este esforço, porém, não deve enganar. A regressão material já mencionada ia impondo a autarquização da vida das pequenas comunidades, de modo que o costume se torna cada vez mais importante. Marcelo Caetano (1992:240) lembra que apesar de sua formal vigência e validade, tornou-se cada vez mais raro haver gente e juízes que o conhecessem ou que dispusessem de alguma cópia (exemplar) do código. Num tempo em que a cultura escrita era mínima, e em que o livro mais do que um utensílio era um tesouro (Le Goff), a aplicação do código visigótico ou Liber Iudiciorum deveria ser pequena.

Assim é que se conservou alguma memória do direito romano, como, afinal de contas, alguma memória da civilização romana. A partir do século XI e especialmente do século XII tudo irá mudar, recuperando-se progressivamente  monumentos e textos do mundo antigo. Mesmo assim, diz-nos Le Goff (1983:37) que 

o erudito que disse que ‘a civilização romana não morreu de morte natural’ mas que ‘foi assinada’ disse três contraverdades, pois civilização romana, na realidade, suicidou-se e este suicídio nada teve de natural nem belo; e não esta morta, pois as civilizações não são mortais. A civilização romana sobreviveu, mediante os Bárbaros, ao longo de toda a Idade Média e para além dela.

Referências:
LOPES, José Reinaldo de Lima. O Direito na História - Lições Introdutórias. 3ª ed. São Paulo: Atlas. 2008.

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