sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Os delitos no Direito Romano: diferenciação entre delitos públicos e privados, os delitos privados e os quase-delitos

Enviado por: Fernanda Lermen Menegaz
Autoria de: José Carlos Moreira Alves

Diferenciação entre os delitos públicos e os delitos privados

Os jurisconsultos romanos classificavam os atos ilícitos em duas categorias – delitos públicos e delitos privados. Os delitos públicos são violações de normas jurídicas que o Estado considera de relevante importância social. Por exemplo, a perduellio (atentado contra a segurança do Estado) e o parricidium (assassinato de homem livre). A punição para este tipo de delito era a poena publica (pena pública), imposta por Tribunais especiais, consistindo em morte, ou na imposição de castigos corporais ou em multa a ser revertida em benefícios para o Estado.

Os delitos privados são ofensas feitas à pessoa (lesões corporais) ou aos bens de um indivíduo. Na ocorrência deste, o Estado não toma a iniciativa de punir o ofensor, mas assegura à vítima o direito de intentar contra este uma actio para obter sua condenação ao pagamento de determinada quantia, como pena (poena priuata). No direito clássico, a poena priuata tem o mesmo caráter punitivo que a poena publica. No direito justinianeu, passa a configurar-se como ressarcimento do dano sofrido pela vítima, embora com a mesma denominação.

Grande, pois, é a diferença entre o direito romano e o direito moderno, com relação aos delitos. Atualmente, delito é a violação da norma penal (isto é, de norma cuja infringência o Estado reputa como fator de desequilíbrio social), punida, em consequência de ação movida, em geral, por órgão estatal (Ministério Público), com pena privativa da liberdade individual, ou com multa em favor do Estado. Já os ilícitos civis (ainda, por força da tradição, denominados também delitos civis) são aqueles atos de que decorre, para seu autor, a obrigação de indenizar, extracontratualmente, a vítima: neles não há que falar em pena, mas em ressarcimento do dano. Por outro lado, alguns dos delitos privados do direito romano – assim, por exemplo, o furtum (furto) – são enquadrados, atualmente, entre os delitos, e não entre os atos ilícitos civis.

Os delitos privados

Durante a evolução do direito romano, os jurisconsultos não conheceram a categoria geral e abstrata do delictum (delito privado), mas apenas alguns delicta (delitos privados), dos quais resultavam obligationes para quem os cometia. Eram estes: furtum (furto), rapina (furto com violência – roubo), iniuria (ato que é praticado sem que se tenha direito) e damnum iniuria datum (dano em coisa alheia, animada ou inanimada).

Outros atos ilícitos, no direito clássico, eram sancionados pelo ius honorarium: o pretor concedia às vítimas actiones in factum. Destes atos ilícitos não surgem obligationes, e sim deveres jurídicos de conteúdo patrimonial. No direito pós-clássico passaram a decorrer destes obligationes e, no tempo de Justiniano, são alguns deles enquadrados como quase-delitos.

Dos delicta e dos atos ilícitos de que se ocupava o pretor, nasciam actiones poenales (ações penais), que apresentavam as seguintes características:

I – eram, a princípio, intransmissíveis ativa ou passivamente, podendo ser intentadas apenas pela vítima contra o ofensor e não pelos ou contra os herdeiros. Posteriormente, passaram a transmitir-se ativamente aos herdeiros da vítima e passivamente contra os herdeiros do ofensor;
II – admitiam o regime de noxalidade, ou seja, se o delito fosse praticado por filius famílias ou escravo, com desconhecimento ou até mesmo contra a vontade do pater famílias, ou se um seu animal causasse prejuízo a terceiro, a vítima do delito podia intentar a ação penal contra o pater famílias. Este poderia pagar a pena pecuniária ou abandonar o filius famílias, escravo ou animal, em favor da vítima;
III – não se extinguiam com a capitis deminutio do ofensor, nem, no caso de ser ele escravo, com sua manumissão;
IV – podiam ser cumuladas com ações reipersecutórias (ações reais ou pessoais), permitindo à vítima intentar, além da ação penal, outra ação para obter a restituição da coisa ou o ressarcimento do prejuízo;
V – se vários fossem os autores, cada um deles estava obrigado a pagar à vítima o valor total da pena objeto da condenação, isto é, a pena não se divide entre elas, cada um tem e cumpri-la totalmente;
VI – as que sancionavam os delicta eram perpétuas; já as pretorianas só eram concedidas dentro de um ano, a partir da ocorrência do ato ilícito reprimido pelo pretor.

Os quase-delitos

Os romanos não poderiam deixar de levar em consideração a existência de inúmeros outros ilícitos além dos quatro citados anteriormente. Nesses casos, o pretor concedia à vítima uma actio in factum contra o autor do ato ilícito, para que aquela obtivesse deste, se condenado, o pagamento de uma poena (pena), em dinheiro. Essas actiones in factum, pelo seu caráter penal, somente podiam ser intentadas contra quem praticara o ato ilícito, e não contra seus herdeiros.

Quando surge a classificação tripartida das fontes das obrigações, quatro desses atos ilícitos são enquadrados entre as uariae causarum figurae. São eles:
    a) Si iudex litem suam fecerit (juiz que, dolosamente, sentencia mal); 
    b) Effusum et deiectum (derramar líquido ou lançar algo de um edifício sobre a via pública); 
    c) Positum et suspensum (colocar ou pendurar objeto em edifício, havendo possibilidade de cair e causar dano a transeuntes); 
    d) Receptum nautarum, cauponum, stabulariorum (responsabilidade do intendente de um navio, hospedaria ou estábulo pelos furtos e danos praticados por seus prepostos, com relação às coisas de seus clientes).
    Nas Institutas de Justiniano, esses quatro atos ilícitos representam uma das categorias – a dos quase-delitos – da classificação quadripartida das fontes das obrigações.

    REFERÊNCIA

    ALVES, José Carlos Moreira. Direito Romano. Rio de Janeiro: Forense, 2008.

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