quinta-feira, 16 de junho de 2016

História do Direito na Índia e China

Enviado por: Bernardo Carneiro
Autoria de: André Patrocinio Herrera

1.0 - O Direito na Índia

1.1 - Origem e o sistema de castas:

Há mais de 2500 a. C., a região do vale do rio Indo era ocupada por uma civilização de relativa cultura. Aproximadamente em 1500 a. C., um povo de origem ariana dominou esses povos e implantou um sistema de direito e religião.

Este sistema de casta, dividia as pessoas em classes sociais específicas, não existindo mobilidade social, e foi imposto pelos arianos para dominar o povo local e garantir sua soberania.

1.2 - A divisão social:

A divisão da sociedade era em castas, e sua primeira menção aparece num livro sagrado hindu, as Leis de Manou, possivelmente escrito entre 600a. C. E 250a. C. “define-se casta como um grupo social hereditário, onde as pessoas só podem casar-se com pessoas do próprio grupo, e que determina também sua profissão, hábitos alimentares, vestuários e outras coisas, induzindo a formação de uma sociedade sem mobilidade social”. Com o tempo, estabeleceram-se quatro castas principais: - Brâmanes: O casta no alto da pirâmide social indiana formada por sacerdotes, magos, religiosos e filósofos – as pessoas encarregadas de realizar os sacrifícios e rituais sagrados. - Kshatriyas: A segunda Casta de maior prestígio era a dos guerreiros, que reunia pessoas com atribuições judiciárias, policiais e militares. - Vaiçya: Respondia pelo conjunto de atividades econômicas, incluindo funções agrícolas, artesanais, comerciais e financeiras. - Sudras: A casta inferior era formada por servos, trabalhadores braçais e empregados domésticos. - Parias: Abaixo das castas e fora da pirâmide social, os parias ou “intocáveis” faziam trabalhos tidos como indignos, pois eram nascidos de miscigenação de castas ou expulso de sua casta.

OBS: havia várias castas e sub-castas.

A explicação para essa divisão da sociedade é a aversão dos arianos contra a mistura de raças e a explicação religiosa de que se o homem melhorasse espiritualmente em vida, ele nasceriam e castas superiores em outra vida.

1.3 - Código de Manou:

Aproximadamente em 600 a. C, apareceu uma compilação com todos os princípios que os brâmanes haviam criados, chamado Código de Manou, que significa pessoa que ordena a razão.

Foi dividido em 12 livros com 2.567 artigos, que se ocupa de toda espécie de assuntos.

Livro Oitavo e Nono - contêm normas de direito substancial e processual, como também as normas de organização judiciária. A justiça vem do rei, que deve decidir pessoalmente as controvérsias que podem ser resumidas nos dezoito títulos do Livro Oitavo e nos três do Livro Nono.

Livro Oitavo: Parte Geral:
I – Da Administração da Justiça – Dos Ofícios dos Juízes;
II – Dos Meios de Provas;
XV – Das Ofensas Físicas;
XVI – Dos Furtos;
XVII – Do Roubo;
XVIII – Do Adultério; 
Livro Nono:
XIX – Dos Deveres do Marido e da Mulher;
XX – Da Sucessão Hereditária

1.4 - Nascimento do Budismo:

No século VII a. C., o oeste da Índia é invadido pelos árabes, que trazem o islamismo. A nova fé conquista camadas importantes da população, que vêem no Islã - cuja premissa é a igualdade de todos diante de Deus - uma oportunidade de escapar da rigidez social do sistema de castas.

Com a tirania dos brâmanes, próprios integrantes da classe dominante se voltaram contra o sistema, sendo então o Príncipe Gautama, chamado Buda, que originou o movimento contra o sistema de castas, pregando a igualdade de todos perante deus. Foi um movimento político social, e com isso não teve grande influência sobre os brâmanes, que tinham a religião fortemente enraizada.

1.5 - O domínio de outros povos sobre a Índia:

a) O domínio muçulmano:

Sob o domínio muçulmano, que se estabeleceu no norte e no centro da Índia no século XVI, os tribunais apenas aplicaram o direito muçulmano. O direito consuetudinário hindu continuou a ser aplicado pelos panchayats de castas, mas não pôde desenvolver-se e ver reforçada a sua autoridade pela ação dos organismos, judiciários ou administrativos, do Estado. Ele se afirma, assim, como questão da religião, da decência e dos costumes, mais do que como direito.

b) O domínio inglês:

Inicia-se o contato direto entre a Europa e a Civilização Hindu com a chegada ao território da atual Índia pelo português Vasco da Gama em 1498.

Em 1612 começa a colonização inglesa com as instalações de entrepostos comerciais no território hindu. Com o ápice do domínio inglês, cria-se um fator de união entre os indianos, o idioma, conseqüentemente, começa a se desenvolver um espírito nacionalista e um movimento de desobediência civil, liderado por Mahatma Gandi.

A luta contra o domínio britânico acaba com a independência em 1947. E esse fato, acaba por separar o país em dois, o Paquistão, no oeste, formado por muçulmanos, e a Índia, formada pelos hindus.

b.1) Os pundits

O desejo de respeitar as regras do direito hindu foi contrariado pela ignorância que os novos donos da Índia demonstraram sobre o direito hindu. Originariamente os ingleses acreditavam, de maneira errada, que o dharma era o direito positivo da Índia. Contudo, as obras que o comentavam estavam escritas numa linguagem que eles desconheciam, e a sua complexidade confundia-os. O dharma é na verdade um ideal, no momento de sua aplicação é necessário grande maleabilidade. Para se libertarem dos obstáculos, muitas vezes pensaram levar a cabo uma obra de codificação. Decidiram que os juízes seriam acompanhados por peritos, os pundits, que lhes indicariam, com base nos dharmasastras e nibandhas a solução aplicável ao litígio. Até 1864, a função do juiz foi somente conferir força executória à decisão que os pundits lhe indicavam como devendo ser dado o litígio.

b.2) A deformação sofrida pelo direito hindu:

O direito hindu aplicado pelos ingleses sofreu muitas alterações, devido principalmente à falta de conhecimento verdadeiro do significado do dharma e a falta de conhecimento no idioma, que foi traduzido para o inglês com muitas imperfeições. Muitas regras que haviam caído em desuso, por exemplo, foram sancionadas. Em outras situações os juristas ingleses modificavam as leis conscientemente por achá-las absurdas, sem levar em conta a cultura local.

Estas deformações reduziram uma série de costumes locais, mas por outro lado causou uma reforma que modernizou o direito hindu, que para muitos foi vista como algo benéfico, e também uma limitou o direito hindu.

1.6 - O Direito hindu:

O direito hindu é um direito extremamente conservador e não incentiva mudanças sociais. É um sistema jurídico composto de normas extra-estatais de composição dos litígios sociais, notadamente as e cunho religioso.

Por ser um sistema legal de origem religiosa o direito hindu pretende ir além e acima do Estado laico, ou seja, é um direito cujas normas são, exclusivamente, voltadas para a sua comunidade étnico-religiosa.

Assenta-se numa visão hierarquizada da sociedade e, por via de conseqüência, os princípios legais que regem tal sistema jurídico estão longe de proporcionar um tratamento jurídico-legal igualitário.

A palavra "direito", no sentido que os Ocidentais lhe dão, não existe em sânscrito, o que corresponde melhor à nossa noção de direito é o dharma, que se pode traduzir duma forma muito aproximativa, por dever.

O dharmaé o conjunto das regras que o homem deve seguir em razão da sua condição na sociedade, isto é, o conjunto de obrigações que se impõem aos homens, por derivarem da ordem natural das coisas. O dharma, portanto, compreende regras que, segundo a nossa óptica, relevam umas da moral, outras do direito, outras ainda da religião, do ritual ou da civilidade.

1.7 - O Direito indiano:

Neste sentido, o atual direito indiano é, antes de tudo, um sistema jurídico de origem estatal que extrapola as diversas etnias e comunidades religiosas que formam a Índia contemporânea para ser um Direito supra-étnico e desvinculado desta ou daquela fé religiosa.

Os indianos podem ter utilizado a técnica da codificação para reformar o seu direito, porém os seus códigos são códigos de common law, que os juristas da Índia utilizam da mesma maneira como são utilizados estes materiais legislativos nos paises de common law. Está ainda mais ligada a esta pela concepção que ai existe da função judiciária, pela importância que ai se atribui à administração da justiça e ao processo e pela idéia que ai se faz da supremacia do direito (rule of law).

2.0 - O Direito na China

2.1 - Contexto histórico e confucionismo:

Durante muito tempo a China viveu sobre períodos de instabilidade político-econômica com a formação de diversas dinastias como a Han, Chi´n, Táng, Ming. Não existia como um país unificado. Diante disso, Confúcio, que viveu durante o período de 551-479 a. C., propôs meios de instalar a ordem, regras aos indivíduos para ordenar a coletividade. Funda o Confucionismo, que tem como base fundamental o Li (aperfeiçoamento do homem até atingir um alto nível de disciplina). Nessa concepção de sociedade ideal, os mais novos deveriam respeitar os mais velhos, a mulher se submeter ao homem e os governados devem obedecer ao governante. Todos deveriam respeitar a categoria social ocupada, agir segundo o Li, ou seja, exemplarmente.

Essa filosofia foi ganhando espaço com decorrer do tempo. Transferiu-se de comportamento social para a esfera espiritual. Hoje são cerca de 600 milhões de confucionistas no mundo.

2.2 - Pré-Revolução Socialista:

A China com sua historia milenar apresenta dois momentos críticos na formação de suas normas e princípios jurídicos.

A primeira fase, que engloba aproximadamente 24 séculos da historia chinesa é influenciada fortemente pela corrente filosófica do Confucionismo. Esta corrente filosófica compreende preceitos religiosos, educacionais e morais.

Com uma ênfase generalizante e abstrata os princípios de Confúcio buscam a harmonia no convívio social. E foi com grande força que a população chinesa aderiu a esta educação, denominada Li, que define as regras da convivência e da decência. Um destes conceitos é a honra do homem chinês, que considera humilhante o julgamento das questões sociais, preferindo o consenso e a conciliação entre as partes. Vale ressaltar o caráter patriarcal da sociedade, que até hoje deixa muitas questões familiares responsabilidade do chefe mais velho da família. As famílias são agrupadas em clãs, que buscam resolver suas questões internas sem utilizar-se dos meios legais.

Existe, porém, uma corrente opositora ao Li, o Fa essa concepção busca valorizar a legislação, mas a sua base é constituída quase unicamente por leis penais, com penas rigorosas.

Os primeiros vinte e quatro e meio séculos da historia Chinesa, apresentam uma constante transição entre o Li e o Fa, com momentas de dominância de uma corrente sobre a outra, e alguns períodos em que houve a tentativa da unificação destas. Porém devido ao caráter da sociedade chinesa, o Li acabou prevalecendo com o direito sendo ainda hoje meio secundário para a realização da justiça.

2.3 - A China Comunista:

Em 19 de outubro de 1949, houve a vitória de Mao-Tsé-Tung e do Partido Comunista, transformando a China em República Popular Chinesa.

Diferente dos países da União Soviética e das outras Repúblicas populares da Europa, repudia-se o princípio de legalidade, aderindo ao dogma marxista-leninista. Acreditavam na preeminência à formação moral e à educação cívica dos cidadãos sobre a coerção.

2.4 - Tentativa pela via Soviética:

Em 1949, pelo projeto chamado “Programa Comum”, houve a abolição de leis, tribunais e decretos.

Após a abolição, tornou-se urgente reconstruir; mesmo a contragosto, a China iria reconhecer o primado do direito e da lei, já que parecia o meio mais eficaz de preparar a sociedade para o advento do comunismo, a exemplo da União Soviética.

Com a criação das Leis Orgânicas, tentaram realizar a reorganização segundo o modelo soviético. Assim, muitas mudanças ocorreram, tais como:

Supremo Tribunal Popular: orientava o trabalho de todas as novas jurisdições;
Grandes leis a partir de 1950 (casamento, reforma agrária, sindicatos) e 1951.
Constitui-se uma comissão de codificação para a redação dos códigos
Porém, a China teve muitas dificuldades para instalar o princípio de legalidade. Não havia juristas suficientemente seguros, dada a falta de tradição dessa prática; os órgãos têm dificuldade de discernir o que fazer na ausência de leis em determinados casos; muitos ataques são dirigidos ao princípio de legalidade.

Diante disso, em 1954, é elaborada uma Constituição. Calcada sobre a Constituição Soviética, confirma efetivamente a tendência de triunfo do princípio de legalidade. A normalização faz progressos, criando-se tribunais populares e reorganizando-se os órgãos pré-existentes.

2.5 - O marxismo-maoísmo:

Em 1957, a China toma um novo curso, pois ocorrem as primeiras dificuldades com a União Soviética antes da ruptura, em 1960. Assim, procura uma via diferente da adotada pelos soviéticos para construir a sociedade comunista, pois rejeita a linha seguida pela URSS desde 1917: bens de produção coletivizados (não achavam que era o essencial); preocupação exclusiva de aumentar a produção; considerar o trabalhador um “acessório vivo usado para gerar riquezas”; perpetuação do essencial da ideologia de produtividade capitalista; métodos autoritários e repressão policial.

Dá prioridade às transformações sociais, dando poder do proletariado, e não ao crescimento econômico. Assim, estabelecem-se novos tipos de relações entre os homens: liquidar qualquer possibilidade de exploração; conscientização dos camponeses da sua importância, não se permitindo que a elite intelectual se coloque acima do proletariado; igualitarismo, inclusive no sistema de salários, pois a partir de então a remuneração seria fixada após o trabalhador declarar, conscientemente, o quanto julgasse ter direito; atmosfera de fraternidade.

É dada uma maior ênfase à tolerância: nenhum adversário é visto como irrecuperável. Mas apesar disso, o povo deve participar ativamente da definição da política a ser seguida: é um convite às massas à crítica e uma estimulação à discussão nas organizações de base, o que ficou conhecido como “Revolução Cultural Proletária”.

2.6 - Repúdio ao Princípio de legalidade:

Com a vontade de construir uma nova sociedade, a China assiste uma volta à tradição: a paz social deve ser conseguida através da educação; é preciso o acordo de todos para estabelecer-se a nova ordem; Nesse intuito, estabelecem-se os “Pactos Patrióticos”: cidadãos se comprometem a observar as leis e a disciplina social.

O princípio de legalidade continua e é cada vez mais repudiado: o trabalho de codificação é abandonado, as diretivas do partido substituem-se à Lei, e os tribunais vêem-se com atividade restringida e subordinados aos sovietes dos diversos escalões.

A maior validade é a do princípio de Conciliação, tendo o Direito uma função apenas subordinada. Mao-Tsé-Tung pregava que o direito não era para todos, pois era uma ditadura, e somente bom para os bárbaros (na época, os contra-revolucionários). Assim, os cidadãos não deveriam sofrer dessa ditadura que ele exerce, poupando-lhes da degradação e da vergonha de serem pronunciados criminalmente.

Acreditavam na educação e persuasão no lugar de sanções: se um cidadão cometeu a falta, certamente não tinha consciência do que fez, devendo ser, portanto, sujeito a uma obra de educação e persuasão, em vez de uma condenação indigna.

2.7 - Diferenças em relação ao passado:

A primeira diferença é que desaparece a idéia da “ordem natural” – doutrina política.

A idéia que se tinha era que uma ordem natural e cósmica englobava os fenômenos naturais tal como o comportamento dos homens, sendo então as secas, inundações e pragas uma relação direta com uma má conduta.

Assim, a nova doutrina seguida é vista através do pensamento do presidente Mao: a nova ordem criada a partir desse ensinamento é mais dinâmica, substituindo a concepção estática de antes.

São criados novos organismos de conciliação (“comissões populares de mediação”, sindicatos, ativistas, etc.). Antes, para resolver litígios, as pessoas se dirigiam à família, ao clã, aos vizinhos e aos notáveis; hoje estes organismos vão sendo abandonados, e as conciliações são atribuídas aos politicamente mais esclarecidos, já que seguem uma doutrina política.

Estabelece-se uma “menor” importância para as idéias de conciliação – aplicação de diretivas (baseado na doutrina marxista-leninista). É mais importante assegurar o sucesso da política do que, necessariamente, restabelecer o entendimento entre os adversários. Portanto, alguns conflitos são solucionados apenas repreendendo-se as partes e apelando para sua consciência.

Não se trata de copiar o Ocidente, que coloca em primeiro plano regras gerais e abstratas, mas aplicar diretivas: todo problema encontra solução para quem se inspira no pensamento de Mao, uma interpretação correta da doutrina marxista-leninista.

2.8 - China atual:

Hoje em dia prevalece o nível pré-judiciário nas discussões dos delitos, raramente chegando ao nível de processos. Procura-se levar os cidadãos a reconhecerem seus erros e a corrigirem-se. Os processos intervêm apenas contra os chamados “inimigos do povo”: os incorrigíveis e depravados.

Usam o direito como última solução: apenas se todos os outros métodos estiverem falhando, pois não se deve aplicar sanções àqueles que, apesar das faltas, continuam sendo bons cidadãos.

Até 1978 havia poucas leis, além de uma ausência de jurisprudência e doutrina, pois poucos acórdãos do Supremo Tribunal tinham sido publicados e a noção de precedentes obrigatórios era desconhecida. A partir desse ano, com a criação de uma nova Constituição, o movimento legislativo toma novo rumo: foram votadas uma lei eleitoral, uma lei orgânica dos tribunais, uma lei que regulamentava os investimentos de capitais chineses e estrangeiros e uma lei sobre o casamento; os códigos penal e de processo penal são adotados porque os dirigentes atuais sentiram a necessidade de tranqüilidade dos chineses, e pensaram que a existência de textos normativos poderia ser um obstáculo às injustiças. Com o código penal, pretenderam combatera crescente criminalidade, pois um conjunto de regras poderia ter um efeito dissuasivo.

Apesar de tudo, as mentalidades continuam hostis à rigidez das leis, o que torna difícil o princípio de legalidade assumir na China o papel que tem nos países ocidentais.


REFERÊNCIA

HERRERA, André Patrocinio. História do Direito na Índia e China. In.: JusBrasil. Disponível em: <http://herreraalemao.jusbrasil.com.br/artigos/188561767/historia-do-direito-na-india-e-china>.

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